quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Entrevista de desligamento produz ações de ajustes.


Ao deixar de trabalhar em uma empresa, tanto quem pede demissão quanto quem é demitido precisa passar pela entrevista de desligamento. Nessas horas, muitos se questionam sobre qual é o propósito dessa conversa.

Priscyla Azevedo conta que trabalhava em um escritório de advocacia e pediu demissão em setembro, porque surgiu uma oportunidade para viver novos desafios profissionais.

Segundo ela, durante a entrevista de desligamento desejava fazer várias críticas, mas por conta do perfil da entrevistadora, desistiu. “Considerei a conversa desastrosa por ter sido conduzida por uma assistente de RH. A falta de experiência dela não me deixou a vontade para falar o que eu queria. 

Percebi que o assunto não seria levado adiante, porque ela não demonstrou interesse em saber o que eu tinha a dizer”, afirma.

Priscyla considera que nem todos os profissionais de recursos humanos têm inteligência para analisar essas informações e aplicá-las de forma positiva. “Sob essa perspectiva, acho que essas entrevistas não servem para nada”, diz.

Ela não está sozinha nessa avaliação. Pesquisa realizada pela recrutadora Talenses com 1.197 profissionais, aponta que 8,7% deles não foram sinceros na entrevista de desligamento. “O motivo alegado por 66,7% deles foi que não deveriam falar tudo, porque queriam sair da empresa deixando as portas abertas para um eventual retorno. Para 14,3%, a alegação foi achar que as informações não seriam usadas para nada”, conta o diretor da Talenses, Alexandre Benedetti.

Segundo ele, 45,10% dos entrevistados pediram demissão, 41,86% foram desligados e 13,04% entraram em acordo com a organização.

O diretor afirma que o estudo foi realizado com o objetivo de entender como os profissionais agem nas entrevistas de desligamento, a fim de extrair informações para que os RHs estruturem essa ferramenta para que as respostas ajudem a melhorar várias práticas nas empresas.

“Para que isso ocorra, é importante saber se o profissional é sincero ou não nessas conversas e por quê. Além disso, buscamos entender se os profissionais se sentem mais à vontade para ter essa conversa com os seus chefes diretos ou com o RH, e o que esperam em uma entrevista de desligamento.”

A partir dos resultados, ele afirma que será possível dar subsídios para que os setores de RH melhorem esse processo, “que pode ser muito rico e proveitoso”, diz.
Benedetti afirma que a entrevista de desligamento, quando bem explorada, oferece bons insumos para o RH. “A partir delas é possível identificar, por exemplo, critérios importantes para a retenção e atração de profissionais. E caso um determinado gestor esteja perdendo profissionais frequentemente, é possível analisar se a sua gestão está compatível com o perfil da área que lidera. Ou ainda, dependendo dos indicativos, perceber que o problema está na contratação dos profissionais, que não têm o perfil requerido pela empresa.”

Segundo o diretor da Talenses, outro ponto revelado pela pesquisa é que 73% dos profissionais fizeram a entrevista com a área de RH, enquanto 21% deles fizeram com seus gestores diretos. “Consideramos que o ideal é que essa conversa seja conduzida por um profissional de recursos humanos, capacitado para receber e analisar o feedback e dar o encaminhamento correto, contribuindo para a evolução da companhia”, afirma.

Ao deixar a empresa na qual trabalhou por um ano e meio, Camila Correia teve a chance de explicar o motivo de sua saída e avaliar como foi sua experiência. “Também dei sugestões sobre o perfil que deveriam buscar na pessoa que iriam contratar para a minha vaga. Acho que a entrevista de desligamento foi positiva para mim e para a empresa, que poderá fazer adaptações e contratar alguém com um perfil mais adequado.”

Na empresa de tecnologia Linx, as informações obtidas nas entrevistas de desligamento contribuem para a implantação de melhorias organizacionais, conforme informa o vice-presidente de marketing e RH, Flávio Mendes. “Há um ano adotamos a prática de ouvir 100% das pessoas na saída”, conta. 

Segundo ele, com esse procedimento a empresa aprendeu, por exemplo, que para evitar alguns tipos de desligamentos era preciso priorizar a avaliação cultural e de valores do candidato.
“Há sete meses adotamos uma ferramenta para mapear o perfil dos candidatos. Além disso, cada perfil tem de ser validado por todos os envolvidos do setor de RH e pelos líderes contratantes para, assim, aumentar a chance de a pessoa funcionar bem na empresa”, conta.
Mendes diz que a partir das entrevistas de desligamento, a empresa identificou que algumas pessoas estavam pedindo demissão por não estarem felizes com seus gestores.
“Descobrimos que grandes líderes técnicos alçados a cargos de gestão de pessoas podem não estar preparados para fazer bem essa tarefa. Para suprir essa lacuna, criamos o Programa de Desenvolvimento de Líderes.”

Segundo Mendes, esse programa já está na reta final de aplicação e irá atingir 320 líderes da média gerência da empresa. “Eles estão aprendendo a fazer bem a gestão de pessoas. Os retornos que estamos recebendo não poderiam ser melhores, pois os liderados já perceberam mudanças positivas na postura dos chefes.”

Outra alteração diz respeito ao ambiente de trabalho. “Acabamos de definir a mudança de localidade da filial do Recife, porque as condições físicas do prédio não correspondiam às expectativas dos funcionários. Temos nos apropriado dos feedbacks que recebemos nas entrevistas para evoluir”, afirma.

Além disso, Mendes conta que o comitê executivo da empresa passou a acompanhar os indicadores gerados a partir das entrevistas. “Também levo esses dados às reuniões trimestrais do conselho administrativo. Fechamos 2015 com indicador de turnover na casa dos 25% e devemos fechar este ano na casa dos 20%. Procuramos escutar verdadeiramente nossos clientes internos.”
Informações servem de insumo para profissional de RH

O diretor da recrutadora Talenses, Alexandre Benedetti, conta que 91,3% dos entrevistados que participaram da pesquisa sobre entrevista de desligamento afirmam terem sido sinceros durante a conversa.

“Entre os motivos para grande parte ter sido sincera estão afirmações como: acredito que as informações são importantes para o bem estar dos funcionários que ainda fazem parte da empresa (42%); e acredito que a companhia usará essas informações como ferramenta de inteligência corporativa (22%).”

O estudo também identificou os motivos pelos quais as pessoas deixaram o último emprego: 40% disseram ter recebido uma proposta melhor de trabalho; 17% alegaram que a cultura e ambiente organizacional não eram compatíveis com seus valores; 13% porque sentiram falta de desafios e perspectivas de carreira; e 7% por falta de compatibilidade com o gestor ou com a equipe.
Benedetti afirma que a entrevista de desligamento pode servir como base para insumos desde que o papel do RH seja estratégico na instituição. “É um processo importante para entender as práticas que precisam ser melhoradas”, diz.

Presidente da assessoria de recursos humanos Odgers Berndtson, Luiz Wever afirma que o alto índice de entrevistados que disseram ter sido sinceros chamou sua atenção.

Segundo ele, esse tipo de procedimento durante o processo de desligamento é importante para ambas as partes. “A empresa tem a oportunidade de consertar ou afinar possíveis distorções e o profissional sente que deixou sua contribuição para o negócio.”

Wever afirma que, atualmente, os profissionais de RHs costumam levar em consideração o que é dito. “Com a mudança de comportamento do RH nas estruturas, portando-se de forma mais estratégica, é uma grande oportunidade de apresentar de forma positiva sua participação no negócio e no seu foco.” 

Segundo ele, essas informações são usadas para a realização de correções, alinhamentos, polimentos e equalizações, por meio de movimentos coordenados e precisos.

“O representante do RH não tem de sair bradando para a empresa o que possivelmente escutou de um profissional que está se desligando, mas pode até sutilmente e precisamente tomar várias iniciativas que regulem questões importantes.”

Ele acredita que o fato de o profissional ser sincero e fazer críticas à empresa na hora do desligamento até pode fechar as portas para um eventual regresso. “Isso pode acontecer, mas não acredito que seja inexorável. Até porque a informação que for dividida com a empresa pode ser muito relevante”, diz.

Fonte: O Estado de São Paulo, por Cris Olivete, 13.11.2016

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